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Jogos Olímpicos do Rio: A vista das favelas – 'A violência aqui tornou-se banal' Jogos Olímpicos do Rio: A vista das favelas – 'A violência aqui tornou-se banal'
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16 de março16 de março
A opressão do Estado não tem mais hora pra chegar. Antes das 6h da manhã, o helicóptero já rondava nossas casas. Quem sai cedo de casa para trabalhar, tem medo. Há denúncias de arrombamento de casas Ouvi tiros, e soube que estava tendo uma operação policial a procura de drogas, mas parece que nada foi encontrado. Todas as escolas municipais e creches fecham quando acontece isso. Geralmente as operações acontecem mais nas favelas que tem dividem os territórios entre facções, como Nova Holanda e Baixa do Sapateiro.A opressão do Estado não tem mais hora pra chegar. Antes das 6h da manhã, o helicóptero já rondava nossas casas. Quem sai cedo de casa para trabalhar, tem medo. Há denúncias de arrombamento de casas Ouvi tiros, e soube que estava tendo uma operação policial a procura de drogas, mas parece que nada foi encontrado. Todas as escolas municipais e creches fecham quando acontece isso. Geralmente as operações acontecem mais nas favelas que tem dividem os territórios entre facções, como Nova Holanda e Baixa do Sapateiro.
18 de março18 de março
Nessa semana, o foco da Polícia Militar foi a Maré. Moradores do Parque União, acordaram de manhã cedo helicóptero, caveirões e tropas militares para subir na favela dando tiros. Essa guerra não é de combate as drogas, como eles insistem em dizer. É de combate ao pobre. Não divulgaram o nome do homem que foi morto nessa manhã. Era só um suspeito pra eles. E para nós, mais uma vida perdida, independente do seu envolvimento.Nessa semana, o foco da Polícia Militar foi a Maré. Moradores do Parque União, acordaram de manhã cedo helicóptero, caveirões e tropas militares para subir na favela dando tiros. Essa guerra não é de combate as drogas, como eles insistem em dizer. É de combate ao pobre. Não divulgaram o nome do homem que foi morto nessa manhã. Era só um suspeito pra eles. E para nós, mais uma vida perdida, independente do seu envolvimento.
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21 de março21 de março
Depois de muitas promessas, finalmente a Secretaria de Segurança admitiu que a UPP na Maré não será instalada por causa do corte de gastos. No fundo a gente sabe que essa política de segurança não está funcionando. Nunca funcionou. As pessoas estão morrendo cada vez que a polícia entra na favela.Depois de muitas promessas, finalmente a Secretaria de Segurança admitiu que a UPP na Maré não será instalada por causa do corte de gastos. No fundo a gente sabe que essa política de segurança não está funcionando. Nunca funcionou. As pessoas estão morrendo cada vez que a polícia entra na favela.
23 de março23 de março
Vejo que a crise econômica no país tem afetado setores diferentes. Os professores estão em greve por causa do baixo salário. Após meses sem aulas, estudantes ocuparam mais de 30 escolas públicas para reivindicar uma educação de qualidade. Eles dormem nas salas de aula. A minha antiga escola de ensino médio e a de muitos moradores da Maré, o Colégio Visconde de Cairu, é uma das escolas ocupadas.Vejo que a crise econômica no país tem afetado setores diferentes. Os professores estão em greve por causa do baixo salário. Após meses sem aulas, estudantes ocuparam mais de 30 escolas públicas para reivindicar uma educação de qualidade. Eles dormem nas salas de aula. A minha antiga escola de ensino médio e a de muitos moradores da Maré, o Colégio Visconde de Cairu, é uma das escolas ocupadas.
2 de abril2 de abril
O nosso jornal O Cidadão (www.jornalocidadao.net) está oferecendo um curso de comunicação comunitário com apoio financeiro do Ministério da Cultura, que está comemorando os 450 anos do Rio de Janeiro com projetos em áreas menos favorecidas.O nosso jornal O Cidadão (www.jornalocidadao.net) está oferecendo um curso de comunicação comunitário com apoio financeiro do Ministério da Cultura, que está comemorando os 450 anos do Rio de Janeiro com projetos em áreas menos favorecidas.
Com ajuda de moradores e professores, a ideia é trocar conhecimento sobre web jornalismo, direitos humanos, produção de reportagem e história da Maré.Com ajuda de moradores e professores, a ideia é trocar conhecimento sobre web jornalismo, direitos humanos, produção de reportagem e história da Maré.
Só eu sei como essas aulas me transformaram. Eu tinha vergonha de ser da favela porque a descriminação na sociedade e na mídia comercial é grande. Mas a quatro anos sinto orgulho em fazer parte desse jornal, que me ensinou a conhecer e amar o lugar em que nasci.Só eu sei como essas aulas me transformaram. Eu tinha vergonha de ser da favela porque a descriminação na sociedade e na mídia comercial é grande. Mas a quatro anos sinto orgulho em fazer parte desse jornal, que me ensinou a conhecer e amar o lugar em que nasci.
6 de abril6 de abril
Quando voltava do trabalho a noite, vi uma barraca bem movimentada na calçada. Eram voluntários cristãos, que vieram da Catedral da Fé, uma das maiores igrejas evangélicas da Zona Norte do Rio de Janeiro.Quando voltava do trabalho a noite, vi uma barraca bem movimentada na calçada. Eram voluntários cristãos, que vieram da Catedral da Fé, uma das maiores igrejas evangélicas da Zona Norte do Rio de Janeiro.
Eles oferecem ajuda para pessoas que buscam a cura de uma doença ou parar de usar drogas. Essa barraca, foi colocada perto da calçada onde pessoas viciadas em drogas moram e usam crack.Eles oferecem ajuda para pessoas que buscam a cura de uma doença ou parar de usar drogas. Essa barraca, foi colocada perto da calçada onde pessoas viciadas em drogas moram e usam crack.
Os voluntários estavam abençoando quem passava ali com o óleo “ungido”. Um deles me entregou uma revista chamada “Hora da Mudança” que mostra histórias de superação.Os voluntários estavam abençoando quem passava ali com o óleo “ungido”. Um deles me entregou uma revista chamada “Hora da Mudança” que mostra histórias de superação.
Sempre foi mais fácil aqui na favela visitar uma igreja evangélica. O pastor fala para o povo, de uma forma fácil de entender. Visitar esses espaços é a salvação de quem não é muito religioso e precisa de ajuda. Apesar de termos muitas igrejas católicas com anos de história, a relação das pessoas é de mais fidelidade. Já as religiões afrodescendentes, não tem esse espaço aqui. Uns dizem que é repressão, outros preconceito.Sempre foi mais fácil aqui na favela visitar uma igreja evangélica. O pastor fala para o povo, de uma forma fácil de entender. Visitar esses espaços é a salvação de quem não é muito religioso e precisa de ajuda. Apesar de termos muitas igrejas católicas com anos de história, a relação das pessoas é de mais fidelidade. Já as religiões afrodescendentes, não tem esse espaço aqui. Uns dizem que é repressão, outros preconceito.
17 de abril17 de abril
Um dia muito importante para o país - o dia da votação para aprovar ou não o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Eu votei nela para presidente, não por vontade, mas por falta de opção. Desde os protestos de 2013 nós jovens, estamos enxergando a política como ela realmente é: egoísta, mentirosa e ladra. Hoje, os deputados ignoraram os 53 milhões de votos democráticos que colocaram o PT no poder pela segunda vez. Estamos vivendo um golpe.Um dia muito importante para o país - o dia da votação para aprovar ou não o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Eu votei nela para presidente, não por vontade, mas por falta de opção. Desde os protestos de 2013 nós jovens, estamos enxergando a política como ela realmente é: egoísta, mentirosa e ladra. Hoje, os deputados ignoraram os 53 milhões de votos democráticos que colocaram o PT no poder pela segunda vez. Estamos vivendo um golpe.
Os moradores se perguntavam o que ia acontecer. Como será daqui pra frente. Protestos rolaram por todo o país, mas a Maré não levantou a voz. Nós também não esquecemos que a presidente aprovou a ideia de ocupação militar em 2014 em todas as Favelas da Maré.Os moradores se perguntavam o que ia acontecer. Como será daqui pra frente. Protestos rolaram por todo o país, mas a Maré não levantou a voz. Nós também não esquecemos que a presidente aprovou a ideia de ocupação militar em 2014 em todas as Favelas da Maré.
7 de maio7 de maio
Eu me reuni com alguns comunicadores populares da Maré e de outros lugares para falar sobre as Olimpíadas 2016. Estamos nos articulando em preparação para os Jogos. A ideia é mostrar como os territórios populares realmente são, e que o mundo perca essa visão preconceituosa e estereotipada que tem sobre as pessoas e sobre a vida na favela.Eu me reuni com alguns comunicadores populares da Maré e de outros lugares para falar sobre as Olimpíadas 2016. Estamos nos articulando em preparação para os Jogos. A ideia é mostrar como os territórios populares realmente são, e que o mundo perca essa visão preconceituosa e estereotipada que tem sobre as pessoas e sobre a vida na favela.
Ouvi também um depoimento de uma ex-moradora da Vila Autódromo, que resistiu à retirada da Prefeitura por 3 anos. Ela passava muita dor enquanto falava e relembrava do sofrimento de perder não só a casa, mas identidade. Morador sempre teve essa dificuldade de pertencer a algum lugar. Às vezes somos tratados como não merecedores do pouco que conquistamos.Ouvi também um depoimento de uma ex-moradora da Vila Autódromo, que resistiu à retirada da Prefeitura por 3 anos. Ela passava muita dor enquanto falava e relembrava do sofrimento de perder não só a casa, mas identidade. Morador sempre teve essa dificuldade de pertencer a algum lugar. Às vezes somos tratados como não merecedores do pouco que conquistamos.
10 de maio10 de maio
Ainda temos muito para fazer na democratização da comunicação no Brasil. Temos cerca de 10 famílias ricas que controlam toda a mídia comercial de massa. Alguns são políticos. Mas o povo tem voz e agora, graças ao jornalismo comunitário, está contando o outro lado da história.Ainda temos muito para fazer na democratização da comunicação no Brasil. Temos cerca de 10 famílias ricas que controlam toda a mídia comercial de massa. Alguns são políticos. Mas o povo tem voz e agora, graças ao jornalismo comunitário, está contando o outro lado da história.
Hoje vi o lançamento do livro de duas amigas minhas da Maré - “Experiências em Comunicação Popular no Rio de Janeiro Ontem e Hoje”, que registrou algumas formas dessa mudança.Hoje vi o lançamento do livro de duas amigas minhas da Maré - “Experiências em Comunicação Popular no Rio de Janeiro Ontem e Hoje”, que registrou algumas formas dessa mudança.
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12 de maio12 de maio
Depois de voltar da casa da minha irmã, em um bairro próximo de casa, ouço tiros. Ligo para minha mãe e pergunto da situação. “Pode vir, mas toma cuidado”, ela diz. Sigo com medo mas chego bem em casa. Fico sabendo depois que a Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE) matou um morador, o Oswaldo Rocha de 24 anos do Morro do Timbau. O barulho de tiros que escuto muitas vezes fazem vítima. A cada som uma perda. E a cada perda, menos esperança.Depois de voltar da casa da minha irmã, em um bairro próximo de casa, ouço tiros. Ligo para minha mãe e pergunto da situação. “Pode vir, mas toma cuidado”, ela diz. Sigo com medo mas chego bem em casa. Fico sabendo depois que a Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE) matou um morador, o Oswaldo Rocha de 24 anos do Morro do Timbau. O barulho de tiros que escuto muitas vezes fazem vítima. A cada som uma perda. E a cada perda, menos esperança.
Exatamente há dois anos atrás o exército matava um homem. As operações feitas são justificativas para matar e ficar impune.Exatamente há dois anos atrás o exército matava um homem. As operações feitas são justificativas para matar e ficar impune.
Mas nenhuma notícia da Maré estampou os jornais de hoje. A violência na favela foi banalizada. A cidade tem um novo assunto para discutir no ponto de ônibus, na fila do mercado e no elevador: Dilma foi afastada da presidência. E quem perde como sempre, somos nós. O vice-presidente já mostrou para que veio, se for eleito, vai diminuir direitos do trabalhador formal. Tenho medo até do que virá depois.Mas nenhuma notícia da Maré estampou os jornais de hoje. A violência na favela foi banalizada. A cidade tem um novo assunto para discutir no ponto de ônibus, na fila do mercado e no elevador: Dilma foi afastada da presidência. E quem perde como sempre, somos nós. O vice-presidente já mostrou para que veio, se for eleito, vai diminuir direitos do trabalhador formal. Tenho medo até do que virá depois.
18 de maio18 de maio
A cada notícia sobre mudança na política que a gente fica sabendo, é uma decepção. O novo Ministro da Saúde, Ricardo Barros, disse que em algum momento o país não vai conseguir sustentar o acesso universal a Saúde. Ele fala do Sistema Único de Saúde (SUS), o programa que cuida da saúde das pessoas como eu, que não tem condições de pagar médico particular. Ele parece ser gratuito, mas é para isso que pagamos impostos, para que os serviços públicos funcionem. Mas não acontece.A cada notícia sobre mudança na política que a gente fica sabendo, é uma decepção. O novo Ministro da Saúde, Ricardo Barros, disse que em algum momento o país não vai conseguir sustentar o acesso universal a Saúde. Ele fala do Sistema Único de Saúde (SUS), o programa que cuida da saúde das pessoas como eu, que não tem condições de pagar médico particular. Ele parece ser gratuito, mas é para isso que pagamos impostos, para que os serviços públicos funcionem. Mas não acontece.
Esse é um direito nosso e isso não pode acontecer. Se hoje já é muito difícil conseguir uma consulta ou um remédio, imagina depois? Quando contei isso para minha mãe a noite, ela nem conseguiu dormir direito. Me disse que se realmente acontecer isso, os pobres vão morrer.Esse é um direito nosso e isso não pode acontecer. Se hoje já é muito difícil conseguir uma consulta ou um remédio, imagina depois? Quando contei isso para minha mãe a noite, ela nem conseguiu dormir direito. Me disse que se realmente acontecer isso, os pobres vão morrer.