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Por dentro da Cracolândia, a feira aberta de crack que São Paulo não consegue destruir | Por dentro da Cracolândia, a feira aberta de crack que São Paulo não consegue destruir |
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“É uma vida horrível. Você não come, você não dorme. Todo o dinheiro que consegue vai para o crack”, conta Felipa Drumont. | “É uma vida horrível. Você não come, você não dorme. Todo o dinheiro que consegue vai para o crack”, conta Felipa Drumont. |
Felipa tem 26 anos, é trans, sem-teto e viciada em crack. Há quatro anos anos, ela vive nas ruas de uma área do centro de São Paulo que ganhou fama por motivos infelizes: a Cracolândia. | Felipa tem 26 anos, é trans, sem-teto e viciada em crack. Há quatro anos anos, ela vive nas ruas de uma área do centro de São Paulo que ganhou fama por motivos infelizes: a Cracolândia. |
Centenas de pessoas sentam-se no meio das ruas, embrulhadas em cobertores, fumando crack abertamente. Outros vagueiam, com o olhar perdido, procurando latas de alumínio e outros recicláveis para vender. Quase todos são magros e ossudos, o rosto contorcido por anos de uso de drogas. Há lixo por toda parte e o cheiro de corpos não lavados é pungente. | Centenas de pessoas sentam-se no meio das ruas, embrulhadas em cobertores, fumando crack abertamente. Outros vagueiam, com o olhar perdido, procurando latas de alumínio e outros recicláveis para vender. Quase todos são magros e ossudos, o rosto contorcido por anos de uso de drogas. Há lixo por toda parte e o cheiro de corpos não lavados é pungente. |
A polícia patrulha o perímetro, a poucos metros de distância. Eles ficam de olho em tudo, mas não intervêm no uso e tráfico das drogas. O que eles fazem é principalmente vigiar para que não ocorram outros crimes, como roubos. Há tendas que oferecem redução de danos, funcionários municipais e veículos de ONGs com o logotipo “Craco Resiste”. | A polícia patrulha o perímetro, a poucos metros de distância. Eles ficam de olho em tudo, mas não intervêm no uso e tráfico das drogas. O que eles fazem é principalmente vigiar para que não ocorram outros crimes, como roubos. Há tendas que oferecem redução de danos, funcionários municipais e veículos de ONGs com o logotipo “Craco Resiste”. |
Em dias úteis, trabalhadores de mochila e também engravatados com cara de escritório passam apressados, pelo outro lado da rua. Apesar da cena ser de total degradação urbana, a verdade é que a Cracolândia fica em uma área de alto valor imobiliário. | Em dias úteis, trabalhadores de mochila e também engravatados com cara de escritório passam apressados, pelo outro lado da rua. Apesar da cena ser de total degradação urbana, a verdade é que a Cracolândia fica em uma área de alto valor imobiliário. |
Ao lado fica a Luz, maior e mais movimentada estação ferroviária da cidade. A menos de cem metros está a sala de concertos em estilo neoclássico onde Herbie Hancock, lenda do jazz americano, tocou no ano passado. O bairro tem colégios técnicos privados e um centro de lazer. A redação da Folha de São Paulo, maior jornal da América do Sul, conhecido como o New York Times do Brasil, fica a algumas quadras dali. | Ao lado fica a Luz, maior e mais movimentada estação ferroviária da cidade. A menos de cem metros está a sala de concertos em estilo neoclássico onde Herbie Hancock, lenda do jazz americano, tocou no ano passado. O bairro tem colégios técnicos privados e um centro de lazer. A redação da Folha de São Paulo, maior jornal da América do Sul, conhecido como o New York Times do Brasil, fica a algumas quadras dali. |
Nada disso importa muito para os adictos. Alguns brincam ou se cumprimentam com apertos de mão, mas o que se vê na maioria é só perplexidade e desorientação. | Nada disso importa muito para os adictos. Alguns brincam ou se cumprimentam com apertos de mão, mas o que se vê na maioria é só perplexidade e desorientação. |
A Cracolândia acabou, não vai voltar mais | A Cracolândia acabou, não vai voltar mais |
É difícil traçar paralelos com qualquer outra situação, em qualquer cidade do mundo. Para alguns, inclusive o atual prefeito João Doria, o lugar é motivo de vergonha. | É difícil traçar paralelos com qualquer outra situação, em qualquer cidade do mundo. Para alguns, inclusive o atual prefeito João Doria, o lugar é motivo de vergonha. |
Ao assumir o cargo em janeiro, o empresário magnata declarou guerra à Cracolândia. Em maio, no início de uma manhã chuvosa de domingo, Felipa viu os helicópteros chegando e um batalhão de 900 policiais e agentes de segurança armados desceu onde estavam os adictos. Ela diz que a polícia usou balas de borracha e bombas de efeito moral para dispersar a multidão. | Ao assumir o cargo em janeiro, o empresário magnata declarou guerra à Cracolândia. Em maio, no início de uma manhã chuvosa de domingo, Felipa viu os helicópteros chegando e um batalhão de 900 policiais e agentes de segurança armados desceu onde estavam os adictos. Ela diz que a polícia usou balas de borracha e bombas de efeito moral para dispersar a multidão. |
“A polícia apareceu jogando bomba em todo mundo. Graças a Deus que eu não me machuquei, mas fiquei apavorada.” | “A polícia apareceu jogando bomba em todo mundo. Graças a Deus que eu não me machuquei, mas fiquei apavorada.” |
Felipa e centenas de outros adictos se espalharam. Muitos se refugiaram num posto de gasolina próximo, outros deram entrada em programas públicos de tratamento ou foram acompanhados pela assistência social municipal e levados a abrigos lotados. | Felipa e centenas de outros adictos se espalharam. Muitos se refugiaram num posto de gasolina próximo, outros deram entrada em programas públicos de tratamento ou foram acompanhados pela assistência social municipal e levados a abrigos lotados. |
Depois de quebrar o mercado de crack, a polícia bateu os imóveis da região, apreendeu drogas e armas e prendeu dezenas de suspeitos de tráfico. | Depois de quebrar o mercado de crack, a polícia bateu os imóveis da região, apreendeu drogas e armas e prendeu dezenas de suspeitos de tráfico. |
Funcionários da prefeitura consideraram a operação um sucesso. Dória declarou, triunfante: “A Cracolândia acabou, não vai voltar mais”. | Funcionários da prefeitura consideraram a operação um sucesso. Dória declarou, triunfante: “A Cracolândia acabou, não vai voltar mais”. |
Seis meses depois, a Cracolândia continua, a poucos metros de onde aconteceu a limpeza. | Seis meses depois, a Cracolândia continua, a poucos metros de onde aconteceu a limpeza. |
Uma zona livre para as drogas | Uma zona livre para as drogas |
O leitor que já tiver assistido à série de televisão americana The Wire talvez possa imaginar a Cracolândia como o “Hamsterdam” — um bloco de quarteirões desocupados onde a polícia de Baltimore, na tentativa de diminuir a criminalidade das ruas, criou uma “zona livre” para traficantes e adictos. | O leitor que já tiver assistido à série de televisão americana The Wire talvez possa imaginar a Cracolândia como o “Hamsterdam” — um bloco de quarteirões desocupados onde a polícia de Baltimore, na tentativa de diminuir a criminalidade das ruas, criou uma “zona livre” para traficantes e adictos. |
Mas há duas diferenças importantes. Em primeiro lugar, a Cracolândia não fica em terrenos desocupados, mas num centro movimentado e ativo. A área passa por um processo de gentrificação e existe um plano ambicioso de revitalização para 2018, que inclui a construção de 1200 novos apartamentos. | Mas há duas diferenças importantes. Em primeiro lugar, a Cracolândia não fica em terrenos desocupados, mas num centro movimentado e ativo. A área passa por um processo de gentrificação e existe um plano ambicioso de revitalização para 2018, que inclui a construção de 1200 novos apartamentos. |
A segunda diferença é que esta situação, com o descaramento das drogas à vista de todos, é uma “atração” permanente no centro de São Paulo há mais de duas décadas. | A segunda diferença é que esta situação, com o descaramento das drogas à vista de todos, é uma “atração” permanente no centro de São Paulo há mais de duas décadas. |
Desde que apareceu, na década de 1990, quando chegou ao mercado da cidade a versão inalável e altamente viciante da cocaína, as prefeituras sucessivamente tentaram eliminar a Cracolândia, na maior parte das vezes através de repressão policial, e sempre falharam. | Desde que apareceu, na década de 1990, quando chegou ao mercado da cidade a versão inalável e altamente viciante da cocaína, as prefeituras sucessivamente tentaram eliminar a Cracolândia, na maior parte das vezes através de repressão policial, e sempre falharam. |
Desde então, o chamado “fluxo” da concentração de usuários vem se mudando de uma rua para outra do bairro, sempre perseguido por operações policiais violentas. | Desde então, o chamado “fluxo” da concentração de usuários vem se mudando de uma rua para outra do bairro, sempre perseguido por operações policiais violentas. |
Em 2008, o prefeito Gilberto Kassab enviou a polícia para dispersar os adictos, assim como faria seu sucessor nove anos depois. Então, assim como Dória viria a fazer, ele declarou: “A Cracolândia não existe mais”. | Em 2008, o prefeito Gilberto Kassab enviou a polícia para dispersar os adictos, assim como faria seu sucessor nove anos depois. Então, assim como Dória viria a fazer, ele declarou: “A Cracolândia não existe mais”. |
Em 2012, o então secretário de justiça da cidade disse o mesmo, desta vez depois de um processo que veio a ser chamado de “Operação Dor e Sofrimento”. | Em 2012, o então secretário de justiça da cidade disse o mesmo, desta vez depois de um processo que veio a ser chamado de “Operação Dor e Sofrimento”. |
Nas duas vezes, os adictos simplesmente se reagruparam na rua ao lado. | Nas duas vezes, os adictos simplesmente se reagruparam na rua ao lado. |
Depois da invasão em maio, a Cracolândia se formou outra vez 400 metros adiante, num parque. Felipa foi atrás: a operação não foi suficiente para dissuadi-la de usar o crack. “Comecei a usar mais droga ainda porque fiquei nervosa e assustada”, diz ela. | Depois da invasão em maio, a Cracolândia se formou outra vez 400 metros adiante, num parque. Felipa foi atrás: a operação não foi suficiente para dissuadi-la de usar o crack. “Comecei a usar mais droga ainda porque fiquei nervosa e assustada”, diz ela. |
Não obstante, aqueles que dizem que a Cracolândia precisa acabar aprovam amplamente essas táticas. Os apoiadores consideram-na uma ameaça, argumentam que ela fortalece o crime organizado, deteriora a cidade e perpetua um ciclo de vício e miséria. | Não obstante, aqueles que dizem que a Cracolândia precisa acabar aprovam amplamente essas táticas. Os apoiadores consideram-na uma ameaça, argumentam que ela fortalece o crime organizado, deteriora a cidade e perpetua um ciclo de vício e miséria. |
Faltam dados precisos, mas acredita-se que o Brasil comporta o maior número de usuários de crack do mundo. De acordo com a última pesquisa nacional sobre o crack, feita pela Fiocruz em 2014, existem cerca de 370 mil usuários regulares em 27 capitais estaduais e no Distrito Federal. | Faltam dados precisos, mas acredita-se que o Brasil comporta o maior número de usuários de crack do mundo. De acordo com a última pesquisa nacional sobre o crack, feita pela Fiocruz em 2014, existem cerca de 370 mil usuários regulares em 27 capitais estaduais e no Distrito Federal. |
O Brasil tem fronteiras permeáveis com todos os maiores produtores de cocaína: Bolívia, Colômbia e Peru. | O Brasil tem fronteiras permeáveis com todos os maiores produtores de cocaína: Bolívia, Colômbia e Peru. |
É um exemplo clássico da ideia da ‘guerra às drogas’, travada há décadas e que não conseguiu diminuir o uso de drogas | É um exemplo clássico da ideia da ‘guerra às drogas’, travada há décadas e que não conseguiu diminuir o uso de drogas |
São Paulo também é a base da quadrilha do narcotráfico mais poderosa do país, o PCC (“Primeiro Comando da Capital”). As autoridades dizem que o PCC controla o fornecimento da Cracolândia. | São Paulo também é a base da quadrilha do narcotráfico mais poderosa do país, o PCC (“Primeiro Comando da Capital”). As autoridades dizem que o PCC controla o fornecimento da Cracolândia. |
Elas dizem que a repressão era necessária para quebrar o domínio do tráfico no bairro. | Elas dizem que a repressão era necessária para quebrar o domínio do tráfico no bairro. |
“Com a operação [de maio], o estado retomou um território que estava dominado pelo tráfico de drogas, o que facilita o trabalho dos assistentes sociais e da área de saúde”, explica Floriano Pesaro, secretário de desenvolvimento social do governo do estado. | “Com a operação [de maio], o estado retomou um território que estava dominado pelo tráfico de drogas, o que facilita o trabalho dos assistentes sociais e da área de saúde”, explica Floriano Pesaro, secretário de desenvolvimento social do governo do estado. |
Para comprovar o sucesso da estratégia, apontam um estudo encomendado pelo governo estadual que mostra que a Cracolândia diminuiu, passando de 1861 usuários antes da operação em maio a 414 em julho, uma redução de 77%. | Para comprovar o sucesso da estratégia, apontam um estudo encomendado pelo governo estadual que mostra que a Cracolândia diminuiu, passando de 1861 usuários antes da operação em maio a 414 em julho, uma redução de 77%. |
Clarice Sandi Madruga, coordenadora da pesquisa, diz que a queda tem muitos motivos. Alguns dos adictos buscaram ajuda; outros aproveitaram a oportunidade da operação para escapar de dívidas com os traficantes. | Clarice Sandi Madruga, coordenadora da pesquisa, diz que a queda tem muitos motivos. Alguns dos adictos buscaram ajuda; outros aproveitaram a oportunidade da operação para escapar de dívidas com os traficantes. |
Além disso, diz ela, cerca de um terço dos atuais residentes da Cracolândia são recém-chegados que vêm à procura dos serviços de saúde e refeições (fornecidos pela Prefeitura) e da relativa segurança. (Felipa confirma: para os viciados, alega, há a certeza da segurança trazida pelo agrupamento, desde que você não viole as regras do local, que incluem não roubar.) | Além disso, diz ela, cerca de um terço dos atuais residentes da Cracolândia são recém-chegados que vêm à procura dos serviços de saúde e refeições (fornecidos pela Prefeitura) e da relativa segurança. (Felipa confirma: para os viciados, alega, há a certeza da segurança trazida pelo agrupamento, desde que você não viole as regras do local, que incluem não roubar.) |
Para Clarice, apesar de a Cracolândia continuar existindo, essa combinação de alguns incentivos e muita punição funcionou. “Era preciso fazer alguma coisa”, declara. | Para Clarice, apesar de a Cracolândia continuar existindo, essa combinação de alguns incentivos e muita punição funcionou. “Era preciso fazer alguma coisa”, declara. |
Adictos e abandonados | Adictos e abandonados |
Mas, apesar do apoio de muitos paulistanos — 60%, segundo uma pesquisa do Datafolha — muitos outros discordam da invasão. | Mas, apesar do apoio de muitos paulistanos — 60%, segundo uma pesquisa do Datafolha — muitos outros discordam da invasão. |
Eles alegam que a Cracolândia é um sintoma de problemas mais abrangentes da cidade: a pobreza, os sem-teto e a desigualdade. Diz-se também que a Cracolândia, apesar de todos os problemas, funciona como um refúgio para os adictos, oprimidos e abandonados da cidade. | Eles alegam que a Cracolândia é um sintoma de problemas mais abrangentes da cidade: a pobreza, os sem-teto e a desigualdade. Diz-se também que a Cracolândia, apesar de todos os problemas, funciona como um refúgio para os adictos, oprimidos e abandonados da cidade. |
“O trabalho do governo de São Paulo é um exemplo clássico da ideia de ‘guerra às drogas’, travada há décadas e que não conseguiu diminuir o uso de drogas, afastou os usuários dos serviços básicos de saúde e deu azo a violações generalizadas dos direitos humanos”, argumenta César Muñoz, pesquisador sênior da instituição Human Rights Watch. | “O trabalho do governo de São Paulo é um exemplo clássico da ideia de ‘guerra às drogas’, travada há décadas e que não conseguiu diminuir o uso de drogas, afastou os usuários dos serviços básicos de saúde e deu azo a violações generalizadas dos direitos humanos”, argumenta César Muñoz, pesquisador sênior da instituição Human Rights Watch. |
Mesmo dentro do governo, alguns funcionários estão revoltados com as táticas antiquadas que identificam na invasão. | Mesmo dentro do governo, alguns funcionários estão revoltados com as táticas antiquadas que identificam na invasão. |
“Os traficantes presos são só os pequenos”, explica Arthur Pinto Filho, promotor de Direitos Humanos e Saúde Pública do Ministério Público Estadual de São Paulo. | “Os traficantes presos são só os pequenos”, explica Arthur Pinto Filho, promotor de Direitos Humanos e Saúde Pública do Ministério Público Estadual de São Paulo. |
“O tráfico continua. Foi um imenso desperdício de dinheiro público: eles continuam no mesmo lugar. Foi um passo atrás. É a mesma coisa que já foi feita há anos e nunca funcionou.” | “O tráfico continua. Foi um imenso desperdício de dinheiro público: eles continuam no mesmo lugar. Foi um passo atrás. É a mesma coisa que já foi feita há anos e nunca funcionou.” |
Embora todos concordem que a Cracolândia está menor do que era no seu auge, muitos desconfiam da explicação do governo e acham que o motivo é só um: a violência policial. | Embora todos concordem que a Cracolândia está menor do que era no seu auge, muitos desconfiam da explicação do governo e acham que o motivo é só um: a violência policial. |
“Mesmo que haja uma redução do tamanho, não é por causa de tratamento, interrupção do uso ou melhora na qualidade de vida. Eles estão saindo do centro porque existe uma forte repressão policial”, afirma Thiago Calil, da ONG É de Lei, que trabalha na região há treze anos. | “Mesmo que haja uma redução do tamanho, não é por causa de tratamento, interrupção do uso ou melhora na qualidade de vida. Eles estão saindo do centro porque existe uma forte repressão policial”, afirma Thiago Calil, da ONG É de Lei, que trabalha na região há treze anos. |
A prefeitura tem mais de 150 funcionários da saúde na região da Cracolândia. Dois deles, não autorizados a falar oficialmente, dizem que as invasões policiais aumentaram a desconfiança e dificultaram a aproximação dos adictos para oferecer ajuda. | A prefeitura tem mais de 150 funcionários da saúde na região da Cracolândia. Dois deles, não autorizados a falar oficialmente, dizem que as invasões policiais aumentaram a desconfiança e dificultaram a aproximação dos adictos para oferecer ajuda. |
Outra crítica é que as incursões acabam dispersando os usuários, que vão formar “minicracolândias” com algumas dezenas, em vez de centenas de adictos. Já foram identificadas ao menos 22 agrupamentos assim pela cidade. | Outra crítica é que as incursões acabam dispersando os usuários, que vão formar “minicracolândias” com algumas dezenas, em vez de centenas de adictos. Já foram identificadas ao menos 22 agrupamentos assim pela cidade. |
“Nossas equipes informam que os usuários saíram do centro e estão usando crack em regiões mais afastadas da cidade”, diz Calil. | “Nossas equipes informam que os usuários saíram do centro e estão usando crack em regiões mais afastadas da cidade”, diz Calil. |
É melhor ter 22 minicracolândias do que uma grande Cracolândia, argumenta Felipe Sabará, secretário de assistência social da prefeitura de São Paulo. Para ele, é mais fácil oferecer assistência social aos usuários se eles estiverem menos concentrados. | É melhor ter 22 minicracolândias do que uma grande Cracolândia, argumenta Felipe Sabará, secretário de assistência social da prefeitura de São Paulo. Para ele, é mais fácil oferecer assistência social aos usuários se eles estiverem menos concentrados. |
“Quanto mais gente, quanto maior for a densidade do grupo, mais difícil se torna a abordagem”, diz Sabará, que culpa o crime organizado e a conexão que os usuários estabelecem com seu território. | “Quanto mais gente, quanto maior for a densidade do grupo, mais difícil se torna a abordagem”, diz Sabará, que culpa o crime organizado e a conexão que os usuários estabelecem com seu território. |
Ele diz que sua equipe está ampliando os serviços de apoio pela cidade para abordar a diáspora e contesta a acusação de que a prefeitura só quer varrer a Cracolândia para debaixo do tapete para poder gentrificar o bairro. | Ele diz que sua equipe está ampliando os serviços de apoio pela cidade para abordar a diáspora e contesta a acusação de que a prefeitura só quer varrer a Cracolândia para debaixo do tapete para poder gentrificar o bairro. |
“Estamos fazendo o contrário. Higienizar é fingir que está resolvendo o problema, mas só fechar os olhos para ele, que é o que a administração anterior fez. Nós estamos resolvendo o problema”, declara. | “Estamos fazendo o contrário. Higienizar é fingir que está resolvendo o problema, mas só fechar os olhos para ele, que é o que a administração anterior fez. Nós estamos resolvendo o problema”, declara. |
Mas Floriano Pesaro não cede à ilusão de que a Cracolândia tenha uma solução fácil. “Sabemos que será um processo difícil e longo”, admite. | |
Até Dória recuou e observa que o problema é histórico, dizendo que o foco deve ser “uma redução considerável e acabar com o shopping das drogas 24 horas”. | Até Dória recuou e observa que o problema é histórico, dizendo que o foco deve ser “uma redução considerável e acabar com o shopping das drogas 24 horas”. |
Redenção | Redenção |
Seis meses depois da invasão, Felipa agora está limpa há dois meses. Ela mora na Tenda 2, uma estrutura criada pela prefeitura no meio da Cracolândia, onde tem uma cama e refeições fornecidas por um programa chamado Redenção. | Seis meses depois da invasão, Felipa agora está limpa há dois meses. Ela mora na Tenda 2, uma estrutura criada pela prefeitura no meio da Cracolândia, onde tem uma cama e refeições fornecidas por um programa chamado Redenção. |
As camas ficam e contêineres de transporte; há mais de 300 e chuveiros quentes. | As camas ficam e contêineres de transporte; há mais de 300 e chuveiros quentes. |
Precisamos de mais oportunidades, não só comida e dinheiro | Precisamos de mais oportunidades, não só comida e dinheiro |
Ela diz que foi sim a incursão que a fez sair das ruas: a escalada das operações da polícia motivou-a a parar com a droga e procurar ajuda. | Ela diz que foi sim a incursão que a fez sair das ruas: a escalada das operações da polícia motivou-a a parar com a droga e procurar ajuda. |
“A coisa sempre foi ruim aqui, mas está piorando”, define. | “A coisa sempre foi ruim aqui, mas está piorando”, define. |
Ela quer conseguir um emprego e está na fila para uma vaga num abrigo municipal para pessoas LGBT; mas a prioridade é arrumar o RG e outros documentos que perdeu quando dormia na rua. | Ela quer conseguir um emprego e está na fila para uma vaga num abrigo municipal para pessoas LGBT; mas a prioridade é arrumar o RG e outros documentos que perdeu quando dormia na rua. |
Mas há duas barreiras a transpor para conseguir emprego: falta de formação e a identidade de mulher trans. Na Cracolândia, pelo menos não era julgada, diz ela. | Mas há duas barreiras a transpor para conseguir emprego: falta de formação e a identidade de mulher trans. Na Cracolândia, pelo menos não era julgada, diz ela. |
“Precisamos de mais oportunidades, não só de comida e dinheiro.” | “Precisamos de mais oportunidades, não só de comida e dinheiro.” |
Sabará diz que o governo reconhece essa necessidade básica e destaca o programa Trabalho Novo que, segundo ele, criou mais de 1500 empregos para moradores das ruas. Vinte e dois deles são viera da Cracolândia. | Sabará diz que o governo reconhece essa necessidade básica e destaca o programa Trabalho Novo que, segundo ele, criou mais de 1500 empregos para moradores das ruas. Vinte e dois deles são viera da Cracolândia. |
Mas para Cleizer Alves de Paulo, de 31 anos, que continua fumando crack todos os dias, essas oportunidades parecem distantes. Ele vive num dos hotéis da região e ganha dinheiro tatuando os traficantes no coração da Cracolândia. | Mas para Cleizer Alves de Paulo, de 31 anos, que continua fumando crack todos os dias, essas oportunidades parecem distantes. Ele vive num dos hotéis da região e ganha dinheiro tatuando os traficantes no coração da Cracolândia. |
Já esteve preso cinco vezes, a primeira delas por assalto a mão armada. “Ninguém quer dar emprego para um usuário de drogas”, diz ele. | Já esteve preso cinco vezes, a primeira delas por assalto a mão armada. “Ninguém quer dar emprego para um usuário de drogas”, diz ele. |
A administração anterior, do prefeito de esquerda Fernando Haddad, instituiu um programa chamado Braços Abertos, no qual cerca de 450 adictos recebiam uma quantia em dinheiro e abrigo em troca de varrer as ruas e outras pequenas tarefas acessórias. | A administração anterior, do prefeito de esquerda Fernando Haddad, instituiu um programa chamado Braços Abertos, no qual cerca de 450 adictos recebiam uma quantia em dinheiro e abrigo em troca de varrer as ruas e outras pequenas tarefas acessórias. |
Elogiado por agências internacionais de combate às drogas como a Open Society Foundation, o programa sobrevive hoje com uma equipe residual e deve terminar em dezembro, conforme a promessa de Dória de encerrá-lo depois das críticas que indicaram que os hotéis onde os adictos eram abrigados estavam dominados pelos traficantes. | Elogiado por agências internacionais de combate às drogas como a Open Society Foundation, o programa sobrevive hoje com uma equipe residual e deve terminar em dezembro, conforme a promessa de Dória de encerrá-lo depois das críticas que indicaram que os hotéis onde os adictos eram abrigados estavam dominados pelos traficantes. |
Para Francisco Inácio Bastos, chefe da última pesquisa nacional sobre o crack de 2014, é exatamente essa oscilação entre as duas abordagens políticas — a de infligir ou de reduzir danos — a culpada pela longevidade da Cracolândia. | Para Francisco Inácio Bastos, chefe da última pesquisa nacional sobre o crack de 2014, é exatamente essa oscilação entre as duas abordagens políticas — a de infligir ou de reduzir danos — a culpada pela longevidade da Cracolândia. |
São Paulo trocou de prefeito a cada quatro anos e o cerne da questão está no debate ideológico sobre como abordar a adicção no Brasil. | São Paulo trocou de prefeito a cada quatro anos e o cerne da questão está no debate ideológico sobre como abordar a adicção no Brasil. |
“Vemos uma mudança de projeto a cada administração, sem nenhuma continuidade. É tudo política. Precisamos de um mínimo de consenso nacional. Não de esquerda ou direita, mas baseado em argumentos científicos mundiais. Sem isso, tudo continua como está”, diz Francisco. | “Vemos uma mudança de projeto a cada administração, sem nenhuma continuidade. É tudo política. Precisamos de um mínimo de consenso nacional. Não de esquerda ou direita, mas baseado em argumentos científicos mundiais. Sem isso, tudo continua como está”, diz Francisco. |
Para Felipa, apesar dos dois meses de sobriedade, o chamado da Cracolândia continua forte. Ela abandonou seu apartamento depois que começou a usar crack e, como tantos outros adictos que perderam quase todo o contato com a família, o principal atrativo dali é o senso de comunidade, por mais disfuncional que seja. | Para Felipa, apesar dos dois meses de sobriedade, o chamado da Cracolândia continua forte. Ela abandonou seu apartamento depois que começou a usar crack e, como tantos outros adictos que perderam quase todo o contato com a família, o principal atrativo dali é o senso de comunidade, por mais disfuncional que seja. |
“Somos como uma família de excluídos.” | “Somos como uma família de excluídos.” |
A equipe do Guardian Cities está em São Paulo para uma semana de reportagens aprofundadas e eventos ao vivo. Não temos como receber comentários em português no site, mas você pode mandar suas ideias e experiências pelo Twitter ou Instagram com a hashtag #GuardianSaoPaulo, ou escrever para saopaulo.week@theguardian.com | A equipe do Guardian Cities está em São Paulo para uma semana de reportagens aprofundadas e eventos ao vivo. Não temos como receber comentários em português no site, mas você pode mandar suas ideias e experiências pelo Twitter ou Instagram com a hashtag #GuardianSaoPaulo, ou escrever para saopaulo.week@theguardian.com |
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