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Um ‘eremita da selva’ preserva a história de cidade fantasma na Amazônia Um ‘eremita da selva’ preserva a história de cidade fantasma na Amazônia
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AIRÃO VELHO, Brasil — Shigeru Nakayama, o guardião desta cidade fantasma na floresta amazônica, contempla o Rio Negro, um vasto afluente do Amazonas. Dependendo da ótica, parece mais um mar do que um rio, o que lhe traz lembranças do Japão.AIRÃO VELHO, Brasil — Shigeru Nakayama, o guardião desta cidade fantasma na floresta amazônica, contempla o Rio Negro, um vasto afluente do Amazonas. Dependendo da ótica, parece mais um mar do que um rio, o que lhe traz lembranças do Japão.
“Fukuoka ficava fria no inverno”, disse Nakayama, de 66 anos, que deixou a ilha de Kyushu, no sul do Japão, com seus pais e três irmãos em meados da década de 1960 para iniciar uma nova vida no Brasil. A gente trabalhava no campo procurando prosperar. O Japão ficou reduzido a cinzas depois da guerra. A vida ainda era difícil”.“Fukuoka ficava fria no inverno”, disse Nakayama, de 66 anos, que deixou a ilha de Kyushu, no sul do Japão, com seus pais e três irmãos em meados da década de 1960 para iniciar uma nova vida no Brasil. A gente trabalhava no campo procurando prosperar. O Japão ficou reduzido a cinzas depois da guerra. A vida ainda era difícil”.
“Mas a terra dos nossos sonhos era o Brasil”, disse Nakayama, espremendo os olhos sob o sol forte do meio-dia enquanto apoiava seu corpo franzino contra uma das estruturas de pedra em ruínas de Airão Velho, uma cidade tão abandonada e agora coberta por um labirinto de raízes de árvores e trepadeiras.“Mas a terra dos nossos sonhos era o Brasil”, disse Nakayama, espremendo os olhos sob o sol forte do meio-dia enquanto apoiava seu corpo franzino contra uma das estruturas de pedra em ruínas de Airão Velho, uma cidade tão abandonada e agora coberta por um labirinto de raízes de árvores e trepadeiras.
Se tem alguém neste canto remoto da Amazônia que possa atestar como os sonhos se revelam de maneiras inesperadas, este certamente é Nakayama.Se tem alguém neste canto remoto da Amazônia que possa atestar como os sonhos se revelam de maneiras inesperadas, este certamente é Nakayama.
Assim que os visitantes chegam até as ruínas de Velho Airão ele começa a introduzi-los educadamente, em português com sotaque japonês, à história do enigmático e remoto local que ele jurou proteger.Assim que os visitantes chegam até as ruínas de Velho Airão ele começa a introduzi-los educadamente, em português com sotaque japonês, à história do enigmático e remoto local que ele jurou proteger.
Os povos indígenas habitaram a região por milhares de anos, e deixaram sua marca em pinturas rupestres nas proximidades, indica Nakayama. Mais recentemente, no século XVII, expedições em busca de escravos provenientes de São Paulo penetraram nos confins da Amazônia provocando uma devastação genocida entre as tribos que viviam ao longo do Rio Negro.Os povos indígenas habitaram a região por milhares de anos, e deixaram sua marca em pinturas rupestres nas proximidades, indica Nakayama. Mais recentemente, no século XVII, expedições em busca de escravos provenientes de São Paulo penetraram nos confins da Amazônia provocando uma devastação genocida entre as tribos que viviam ao longo do Rio Negro.
Em 1694, os portugueses resolveram constituir um posto de conversão neste local, o qual chamaram de Santo Elias do Jaú, estabelecendo-se assim, na enorme floresta tropical que já era cobiçada por Portugal e pela Espanha. Os historiadores afirmam que este assentamento da Amazônia precedeu às cidades mais conhecidas da região sudeste do Brasil na era colonial, como Ouro Preto e São João del Rei, estabelecidas no início do século XVIII.Em 1694, os portugueses resolveram constituir um posto de conversão neste local, o qual chamaram de Santo Elias do Jaú, estabelecendo-se assim, na enorme floresta tropical que já era cobiçada por Portugal e pela Espanha. Os historiadores afirmam que este assentamento da Amazônia precedeu às cidades mais conhecidas da região sudeste do Brasil na era colonial, como Ouro Preto e São João del Rei, estabelecidas no início do século XVIII.
Por quase dois séculos os missionários dedicaram-se a catequizar os habitantes, dando sermões aos povos indígenas em uma igreja de pedra. Antes do Brasil conquistar sua independência, em 1822, as autoridades da longínqua Lisboa mudaram o nome do local para Airão, que permaneceu nos mapas como um pequeno ponto dentro de uma vasta fronteira.Por quase dois séculos os missionários dedicaram-se a catequizar os habitantes, dando sermões aos povos indígenas em uma igreja de pedra. Antes do Brasil conquistar sua independência, em 1822, as autoridades da longínqua Lisboa mudaram o nome do local para Airão, que permaneceu nos mapas como um pequeno ponto dentro de uma vasta fronteira.
Nakayama demora ao falar sobre esses detalhes depois de abrir a porta da cabana de chão de terra batida onde mora. Um insinuante pôster retratando uma morena praticamente nua, montada sobre um tigre e segurando uma lança, está pendurado logo na entrada ao lado de um mapa rodoviário do Brasil, embora esta região de selva densa quase não tenha estradas (os barcos representam o modo de transporte predominante).Nakayama demora ao falar sobre esses detalhes depois de abrir a porta da cabana de chão de terra batida onde mora. Um insinuante pôster retratando uma morena praticamente nua, montada sobre um tigre e segurando uma lança, está pendurado logo na entrada ao lado de um mapa rodoviário do Brasil, embora esta região de selva densa quase não tenha estradas (os barcos representam o modo de transporte predominante).
Para honrar Airão Velho, Nakayama criou uma espécie de museu em um dos quartos do casebre. Ele chegou aqui em 2001, depois que as autoridades criaram um parque nacional numa área vizinha da Amazônia, e da qual ele e outros colonos foram expulsos. Naquela época, um descendente do clã Bizerra, que controlava Airão Velho, pediu ao Nakayama que cuidasse do posto abandonado.Para honrar Airão Velho, Nakayama criou uma espécie de museu em um dos quartos do casebre. Ele chegou aqui em 2001, depois que as autoridades criaram um parque nacional numa área vizinha da Amazônia, e da qual ele e outros colonos foram expulsos. Naquela época, um descendente do clã Bizerra, que controlava Airão Velho, pediu ao Nakayama que cuidasse do posto abandonado.
Uma pintura a óleo em seu museu descreve como Airão Velho devia ter sido durante seu apogeu na época do ciclo da borracha na Amazônia no final do século IXX e inícios do XX, quando o assentamento desenvolveu-secomo centro de seringueiros e comerciantes. Uma pintura a óleo em seu museu descreve como Airão Velho devia ter sido durante seu apogeu na época do ciclo da borracha na Amazônia no final do século IXX e inícios do XX, quando o assentamento desenvolveu-se como centro de seringueiros e comerciantes.
No auge de sua história, acredita-se que ali moravam centenascentenas de pessoas que circulavam pelas ruas de paralelepípedos entre osprédios comerciais de estilo colonial, lojas e edifícios municipais, protegidos dos dilúvios tropicais por tetos de telha portuguesa. No auge de sua história, acredita-se que ali moravam centenas de pessoas que circulavam pelas ruas de paralelepípedos entre os prédios comerciais de estilo colonial, lojas e edifícios municipais, protegidos dos dilúvios tropicais por tetos de telha portuguesa.
Fotografias desbotadas dos Bizerra, lembrando uma peça de arte conceitual, mostram uma família orgulhosa de suainfluência na região. Fotografias desbotadas dos Bizerra, lembrando uma peça de arte conceitual, mostram uma família orgulhosa de sua influência na região.
“Esta era a lei naquela época”, diz Nakayama, segurando um rifle enferrujado, achado entre as ruínas.“Esta era a lei naquela época”, diz Nakayama, segurando um rifle enferrujado, achado entre as ruínas.
O velho colono conhece bem a justiça nas regiões fronteiricas do Brasil. Depois de deixar o Japão, sua família mudou-se para Belém, em uma das últimas migrações japonesas ao Brasil, um êxodo que criou a que se acredita ser a maior colônia de japoneses e seus descendentes fora do Japão. O velho colono conhece bem a justiça nas regiões fronteiriças do Brasil. Depois de deixar o Japão, sua família mudou-se para Belém, em uma das últimas migrações japonesas ao Brasil, um êxodo que criou a que se acredita ser a maior colônia de japoneses e seus descendentes fora do Japão.
Nakayama se enche de orgulho ao descrever os feitos dos compatriotas que também seguiram seu caminho até a Amazônia, apontando para acolônia agrícola pioneira de Tomé-Açu. Quando era mais jovem, Nakayama tentou viver em São Paulo, onde se assentaram a maioria dos imigrantes japoneses, mas logo sentiu que a floresta o chamava de volta. Nakayama se enche de orgulho ao descrever os feitos dos compatriotas que também seguiram seu caminho até a Amazônia, apontando para a colônia agrícola pioneira de Tomé-Açu. Quando era mais jovem, Nakayama tentou viver em São Paulo, onde se assentaram a maioria dos imigrantes japoneses, mas logo sentiu que a floresta o chamava de volta.
“A cidade não concordava comigo, e eu não concordava com a cidade”, disse ele ao justificar por que se dedicou à agricultura tropical, ainda que seus irmãos prosperassem em empreendimentos urbanos.“A cidade não concordava comigo, e eu não concordava com a cidade”, disse ele ao justificar por que se dedicou à agricultura tropical, ainda que seus irmãos prosperassem em empreendimentos urbanos.
Antes do Nakayama mudar-se para Airão Velho, onde os visitantes das ruínas o apelidaram “o eremita da selva”, sua existência nem sempre foi assim tão solitária. Ele conta que já teve duas companheiras no passado. A última delas, uma professora, morreu de uma doença desconhecida na época em ele que decidiu fazer sua vida por aqui. Ele não tem filhos.Antes do Nakayama mudar-se para Airão Velho, onde os visitantes das ruínas o apelidaram “o eremita da selva”, sua existência nem sempre foi assim tão solitária. Ele conta que já teve duas companheiras no passado. A última delas, uma professora, morreu de uma doença desconhecida na época em ele que decidiu fazer sua vida por aqui. Ele não tem filhos.
No início, Airão Velho, que fica a várias horas de barco da cidade de Manaus, não era tão desamparado. Embora muitos moradores haviam abandonado o posto depois do boom da borracha, algumas famílias tentaram repovoar a cidade. Uma escola para crianças de comunidades vizinhas trouxe alguma vitalidade a Airão Velho.No início, Airão Velho, que fica a várias horas de barco da cidade de Manaus, não era tão desamparado. Embora muitos moradores haviam abandonado o posto depois do boom da borracha, algumas famílias tentaram repovoar a cidade. Uma escola para crianças de comunidades vizinhas trouxe alguma vitalidade a Airão Velho.
Mas, assim como nas fantasmagóricas imagens dos locais abandonados nos arredores da cidade ucraniana de Chernobyl, a escola, que agora está vazia, ainda apresenta rabiscos na lousa e livros escolares casualmente jogados pelo chão, como se os alunos tivessem saído para uma excursão de vários anos.Mas, assim como nas fantasmagóricas imagens dos locais abandonados nos arredores da cidade ucraniana de Chernobyl, a escola, que agora está vazia, ainda apresenta rabiscos na lousa e livros escolares casualmente jogados pelo chão, como se os alunos tivessem saído para uma excursão de vários anos.
Empunhando um facão, Nakayama continua a limpar a vegetação que rodeia o prédio, num esforço para manter uma aparência mais arrumada.Empunhando um facão, Nakayama continua a limpar a vegetação que rodeia o prédio, num esforço para manter uma aparência mais arrumada.
“Fico satisfeito por alguém cuidando de Airão Velho”, disse Victor Leonardi, um historiador que estuda a Amazônia na Universidade de Brasília, e que explorou as ruínas na década de 1990. “Naquela época (a área) fedia a urina de onça, mas obviamente foi um lugar de riqueza em algum momento, onde as pessoas jantavam com porcelana inglesa e consumiam conhaque francês”. “Fico satisfeito por alguém estar cuidando de Airão Velho”, disse Victor Leonardi, um historiador que estuda a Amazônia na Universidade de Brasília, e que explorou as ruínas na década de 1990. “Naquela época (a área) fedia a urina de onça, mas obviamente foi um lugar de riqueza em algum momento, onde as pessoas jantavam com porcelana inglesa e consumiam conhaque francês”.
Um eremita na Amazônia tem muito tempo livre. Um gerador elétrico e uma antena permitem que Nakayama assista televisão; ele gosta de acompanhar os jogos do Flamengo, seu time. Às vezes caça, somente para seu consumo, animais como a paca, e mantém uma pequena horta.Um eremita na Amazônia tem muito tempo livre. Um gerador elétrico e uma antena permitem que Nakayama assista televisão; ele gosta de acompanhar os jogos do Flamengo, seu time. Às vezes caça, somente para seu consumo, animais como a paca, e mantém uma pequena horta.
“Eu nunca fui para o hospital em toda minha vida”, disse Nakayama, lambendo os lábios após comer um prato de tracajá, uma tartaruga de manchas amarelas.“Eu nunca fui para o hospital em toda minha vida”, disse Nakayama, lambendo os lábios após comer um prato de tracajá, uma tartaruga de manchas amarelas.
Dando uma tragada no cigarro Euro, ele emenda. “Bem, teve aquela vez quando uma jararaca me mordeu no pulso e fui ver um médico em Novo Airão”, acrescentou. “Ele me disse que eu teria perdido o braço se não tivesse ido vê-lo”.Dando uma tragada no cigarro Euro, ele emenda. “Bem, teve aquela vez quando uma jararaca me mordeu no pulso e fui ver um médico em Novo Airão”, acrescentou. “Ele me disse que eu teria perdido o braço se não tivesse ido vê-lo”.
Agora que está ficando mais velho, Nakayama disse que passa alguns dias por mês em um assentamento um pouco menos remoto chamado Novo Airão, visitando amigos e abastecendo-se de mantimentos, que ele paga com a magra aposentadora que o governo outorga aos idosos. Mas quando um viajante entusiasta ou um pesquisador acadêmico passa por Airão Velho ele quase sempre está disponível para mostrar-lhes a região. Uma equipe de filmagem japonesa o visitou recentemente para fazer uma matéria sobre seu estilo de vida espartano, que ele descreve como “normal”.Agora que está ficando mais velho, Nakayama disse que passa alguns dias por mês em um assentamento um pouco menos remoto chamado Novo Airão, visitando amigos e abastecendo-se de mantimentos, que ele paga com a magra aposentadora que o governo outorga aos idosos. Mas quando um viajante entusiasta ou um pesquisador acadêmico passa por Airão Velho ele quase sempre está disponível para mostrar-lhes a região. Uma equipe de filmagem japonesa o visitou recentemente para fazer uma matéria sobre seu estilo de vida espartano, que ele descreve como “normal”.
“O Japão transformou-se em um país próspero, e eu acho que é bom para as pessoas de lá”, disse Nakayama. “Mas eu nunca almejei este estilo de vida”.“O Japão transformou-se em um país próspero, e eu acho que é bom para as pessoas de lá”, disse Nakayama. “Mas eu nunca almejei este estilo de vida”.
Nakayama reconheceu que proteger Airão Velho da invasão da selva é uma luta difícil. Um olhar ao redor sugere que as apuís estão ganhando a batalha. No meio das ruínas as vespas rondam, as formigas de fogo marcham e as cigarras cantam.Nakayama reconheceu que proteger Airão Velho da invasão da selva é uma luta difícil. Um olhar ao redor sugere que as apuís estão ganhando a batalha. No meio das ruínas as vespas rondam, as formigas de fogo marcham e as cigarras cantam.
O lugar mais vazio de todo Airão Velho talvez seja o cemitério, onde muitas das lápides ficaram ilegíveis com o passar dos anos. Os que alguma vez foram túmulos de pedra grandiosos agora jazem em ruínas, com seus fragmentos engolidos pela vegetação.O lugar mais vazio de todo Airão Velho talvez seja o cemitério, onde muitas das lápides ficaram ilegíveis com o passar dos anos. Os que alguma vez foram túmulos de pedra grandiosos agora jazem em ruínas, com seus fragmentos engolidos pela vegetação.
Ainda assim, Nakayama sente a necessidade de limpar o cemitério, lutando contra o crescimento do mato que ameaça devorar o lugar para sempre. “Durante séculos, as pessoas viveram e morreram em Airão Velho”, disse ele. “Elas foram os verdadeiros pioneiros, e eu devo honrar sua memória preservando este lugar. É uma questão de respeito”.Ainda assim, Nakayama sente a necessidade de limpar o cemitério, lutando contra o crescimento do mato que ameaça devorar o lugar para sempre. “Durante séculos, as pessoas viveram e morreram em Airão Velho”, disse ele. “Elas foram os verdadeiros pioneiros, e eu devo honrar sua memória preservando este lugar. É uma questão de respeito”.